O Trilho do Contrabando em Vilarelho da Raia - a minha experiência como contrabandista

 

Este mês fui até Vilarelho da Raia tirar um “curso breve” do que era ser contrabandista.
 
Comecei por visitar o Museu Etnográfico da Freguesia de Vilarelho da Raia, onde tinha vários móveis, objetos de casa, cozinha, transporte, iluminação, religiosos entre muitos outros utilizados até ao último quartel do século passado.

louceiro

instrumentos de cozinha

Claro que me foquei na cozinha, onde tinha um louceiro, a masseira do pão, a batedeira manual, a máquina de picar a amêndoa, a forma, as colheres etc.

tarandeira(1) lareira, panelas de ferro lareiros e chambrileira (2) e (3)

Faltou mencionar a tarandeira (1) para colocar o pão acabado de sair do forno, a lareira com as suas panelas de três pés, claro, os lareiros (2) para pendurar os enchidos para fumar e a chambrileira (3) para pendurar a carne de porco.

Depois de jantar um rancho muito saboroso (rancho do contrabandista), com uma lista de instruções a seguir e devidamente vestida de preto para não ser vista, fui recolher o meu fardo num local secreto onde estava a dona do contrabando - por esta altura já não havia iluminação elétrica e só tínhamos a luz da candeia, e é essa a razão para eu não ter fotografias.

prato de racho 
(se quiser a receita, mande-me um email para info@panelade3pes.pt)

Após algumas recomendações, saí, com os colegas do meu grupo, um guia à frente e outro no final (o Senhor José Calvão e o Senhor João Sousa à minha esquerda e direita, respetivamente, ambos ex-contrabandistas), e lá fomos percorrer o trilho do contrabando, pelo mato, só com a luz da lua (em quarto crescente, mas muito fraca). Sem luz, não tinha como tirar fotografias para vos mostrar, porque não podia utilizar o flash para não ser vista pela Guarda.

Foi um desafio andar em fila indiana, em silêncio, no escuro, durante vários quilómetros onde tínhamos de correr para fugir dos carabineiros e esconder-nos atrás dos arbustos para fugir da Guarda. Aqui e além estavam “vigias” escondidos no mato, com olhos de coruja e cientes do perigo, sistematicamente nos mandavam por caminhos diferentes.

E numa das vezes em que o Guarda passou, fui apanhada, mas convenci-o de que não levava nada;)

Depois de conseguirmos passar pela Guarda Fiscal e Carabineiros aguardavam-nos, à luz da candeia e no local acordado, os patrões galegos e recebemos a jorna correspondente - infelizmente torci um pé pouco antes do final e não conseguir entregar o fardo, mas fica aqui a foto da jorna: uma nota de 100 Pesetas, a antiga moeda de Espanha.
reprodução de uma nota de 100 pesetas
 Os contrabandistas regressaram a pé, agora pela estrada, em direção ao posto da Guarda Fiscal, para assistir ao interrogatório aos presos pelo Comandante de Posto: um casal de galegos com o burro, um contrabandista com panelas, um contrabandista com calçado e um emigrante que teimosamente se queria infiltrar no meio dos contrabandistas para ir para terras de França.

 

Depois do interrogatório, por volta das 2 da manhã, fomos comer o mata-bicho que os contrabandistas também comiam: sardinha em lata e trigo (pão) de quatro cantos, chocolate e vinho - confesso que a essa hora não comi as sardinhas :)

Aprendi muitas coisas durante o tempo que passei em Vilarelho da Raia, mas uma se destacou: os contrabandistas tinham de ser homens honrados, porque, como não havia nada escrito, a palavra tinha de valer. Quem não cumprisse a palavra, deixava de pertencer à estrutura.

Foi uma recriação surpreendente com muita envolvência dos locais, grande parte ex-contrabandistas, com emoções pelo meio, mas muito divertida.

Dou os parabéns ao Centro Social Cultural e Desportivo de Vilarelho da Raia, à AlmaatPorto (de que sou cliente há anos) e ao Ayuntamiento de Oimbra pela organização!

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Alho, bacalhau e vinho verde

Canja à Vila-Franquense